Uriah Heep em SP: não se mexe em time que está ganhando
Veteranos do rock britânico reafirmam seu status como lendas do rock se apresentando em grande estilo para o público paulista
Resenha por Daniel Agapito | Fotos por Gabriel Eustáquio
Infelizmente, tudo que é bom, tem que chegar ao fim. Mesmo com a aposentadoria sendo apenas mera sugestão no mundo do rock – todos conhecemos os casos do KISS, que só depois da pandemia já fez dois “últimos shows” no Brasil, e não podemos esquecer o Scorpions, que está fazendo sua última turnê desde sua primeira – ainda bate aquele leve desespero quando uma banda clássica anuncia sua despedida. Foi isso que aconteceu com o Uriah Heep, queridos do público brasileiro desde antes de 1989, quando fizeram seu primeiro show aqui. Menos de dois anos após sua última apresentação em terras tupiniquins, trouxeram para o Tokio Marine Hall a “Magician’s Farewell Tour”, que não marcava uma despedida por completo, mas sim, uma redução das atividades ao vivo.
Aquela sexta-feira (11) não contaria só com os londrinos, pois antes deles subirem no palco, tivemos direito de ver a Allen Key, banda nacional de hard rock que está tendo um grande impacto na cena, recentemente vencendo o concurso “Temos Vagas”, tendo a oportunidade de tocar no Lollapalooza. Liderados pela carismática Karina Menascé, o som deles mescla a familiaridade do rock tradicional com o peso e a modernidade de um metal moderno, no geral, uma mistura bastante acessível, basicamente um rock alternativo com cheirinho de metal melódico. A casa não estava das mais cheias quando eles subiram no palco, e era evidente que estavam “jogando fora de casa”, podemos dizer, visto que o som da Allen Key é algo muito mais moderno, para uma geração mais jovem, muito diferente do Uriah, até a própria vocalista reconheceu: “o nosso som é diferente”.
Apesar de tudo isso, fizeram um show de qualidade, enfileirando 8 músicas, passando por todas as fases de sua carreira até então. Vale destacar seu último lançamento Easy Prey, penúltima música da noite, tocada antes de Get in Line, que até o presente momento, não foi lançada nas plataformas digitais. Foi um show curto e direto, que aqueceu bem o público para a apresentação dos britânicos. Nos últimos tempos, passaram por algumas trocas de formação, mas mesmo assim, esbanjaram qualidade e profissionalismo durante o show.
O relógio bateu às 22:00, e com pontualidade realmente britânica, Mick Box (guitarra), Bernie Shaw (vocal), Phil Lanzon (teclado), Dave Rimmer (baixo) e Russell Gilbrook (bateria) assumiram o palco do Tokio Marine Hall com Grazed by Heaven, de Living the Dream, um de seus álbuns mais recentes, lançado em 2018. A idade conjunta do quinteto é de quase 350, mas quando sobem no palco, parece que cada um deles tem no máximo 25 anos, em termos de energia, deixam muita banda nova no chinelo. Shaw falou algumas vezes que iriam tentar cobrir o máximo de sua carreira de mais de meio século possível, mas com mais de 25 álbuns de estúdio, realmente fica difícil. Deram ainda mais destaque para os trabalhos atuais na sequência, com Save Me Tonight, lançada no ano retrasado. Apesar de ser mais recente, foi muito bem recebida, que só prova a verdadeira força do Uriah, se os caras estão na estrada há mais de 50 anos, enchendo casa de show pelo mundo, ruins não são.
Passada Overload, Box e amigos levaram todos de volta para o belo ano de 1971 com Shadows of Grief, uma de muitas que destacou as habilidades de Phil Lanzon, um verdadeiro monstro dos teclados. As camadas e camadas de diferentes órgãos, sintetizadores e teclados no geral deram uma profundidade para as músicas, tornando-as uma reprodução fiel das versões em estúdio, porém, no contexto ao vivo. Continuaram com um de seus maiores clássicos, a animadíssima Stealin’, que levou o público à loucura. Na hora do refrão, Shaw parou de cantar, deixando que os fãs, que gritavam a plenos pulmões, assumissem a voz. Infelizmente, esta música teria um significado muito mais sinistro no dia seguinte, quando o guitarrista revelou ter sido assaltado por um ciclista enquanto voltava de seu almoço em Curitiba. Até o presente momento, o colar que foi levado (que Box estava usando no show em São Paulo) ainda não foi encontrado.
A última representante dos anos 2000 viria na forma de Hurricane, mais uma do último álbum, que curiosamente, só foi executada ao vivo no ano passado, mais de um ano após seu lançamento. Vale destacar aqui a dinâmica entre o guitarrista e o vocalista, que evidentemente eram amigos reais, no palco, parecia que os dois se completavam. Antes de The Wizard, Bernie foi introduzir seu companheiro: “como vocês sabem, esse é meu melhor amigo, Mick Box.” Encontre uma amizade como a deles, que dure 39 anos… Contemplando pela primeira vez o LP que dá nome à turnê de despedida fake, The Magician’s Birthday (1972), veio Sweet Lorraine, marcada por seu solo avassalador de teclado, e uma linha percussiva que beira o jazz. Gilbrook mostrava ser o mais incansável do grupo, tocando com uma força absurda, mas sem perder precisão alguma, era praticamente um relógio, o Eloy Casagrande da terceira idade.
Voltando para aquela amada sonoridade do bom e velho rock and roll, Free ‘n Easy representou o icônico Innocent Victim a mais uma vez colocou o público para cantar junto. Havia chegado a hora de cantar um longo e impressionante parabéns para o mágico, com os 10 minutos e 20 segundos de Magician’s Birthday, que conta com um dueto entre guitarra e bateria, praticamente acoplando dois solos, deixando em evidência todo o arsenal técnico dos ingleses. Retirando qualquer preocupação daquela ser uma despedida da banda, Shaw reiterou: “Não fiquem com a impressão de que vamos a algum lugar ou nos aposentarmos, não vamos a lugar nenhum. A única coisa que estamos fazendo é, não vamos ficar na estrada 200 dias por ano, estou com essa banda há 39 anos. Queremos nos divertir, mas também passar um tempo com nossos amigos e nossas famílias.”
Para fechar aquele bloco do show, foram ao seu primeiro álbum, Very ‘Eavy, Very ‘Umble com a clássica Gypsy, seguida da épica July Morning, mais uma faixa com mais de dez minutos. A resiliência deles no palco era realmente de se aplaudir de pé, fizeram mais de uma hora de show sem pausas, e tocando músicas que mesmo um tanto formuladas, não eram das mais simples. Depois de July, desceram do palco, mas todos sabiam que iriam voltar para tocar mais algumas. Enfim, voltaram com Sunrise, terceira de The Magician’s Birthday daquela noite e Easy Livin’, que não poderia faltar, para fechar com chave de ouro.
No geral, o Uriah Heep fez um show sem erros, que fez jus a seu status como lenda absoluta do rock. Mesmo com boa parte dos integrantes tendo passado dos 60 há um bom tempo, a energia deles no palco é algo diferenciado, eles facilmente conseguiriam ter feito um show de duas horas, pelo que parecia. O nome da turnê deu um susto nos fãs, mas como a própria banda deixou bem claro, estão longes de parar, só vão descansar um pouco mais. Infelizmente, esta sétima passagem dos londrinos ficará marcada pelo assalto de Mick Box, mas infelizmente, estando no Brasil é uma realidade que temos que conviver. Agora, só podemos aguardar ansiosamente seu retorno às terras tupiniquins.