Como um bando de vikings bonachões, Enslaved promove disco mais recente em São Paulo
Em terceira visita ao Brasil, grupo norueguês anima público com atitude mais rock’n’roll do que black metal no palco de uma Fabrique esvaziada em semana superlotada de shows na capital paulista
“Vocês estão num show de rock ou num brunch?”, perguntou ao público o baixista, vocalista e um dos líderes do Enslaved, Grutle Kjellson, logo após executar a primeira música, “Kingdom”, na noite de quinta-feira (14), véspera de feriado, em São Paulo.
Quem esteve presente ocupou, se muito, a metade da Fabrique, casa com capacidade para umas 650 pessoas, e até participou do jeito como conseguiu. Talvez a galera estivesse cansada, ou sem dinheiro para muitas cervejas. Afinal, a semana foi lotada de shows na capital paulista, graças ao intervalo entre dois festivais na América Latina.
No sábado anterior (09/11), o CL.Rock foi cancelado às vésperas de sua realização em Santiago, mas as bandas já estavam a caminho do continente. Como parte da rota, nenhum show em São Paulo teve o mesmo destino do evento chileno, pois várias delas seguiriam para tocar no MXMF Metal Fest, no México, no fim de semana seguinte (16/11 e 17/11).
Também não é como se fossem esperadas rodas de pogo ou cantorias do público na apresentação de uma banda como o Enslaved. Nos últimos vinte anos, os noruegueses têm se notabilizado por equilibrar seu black metal – de temática mais viking e não satânica – com viagens progressivas e experimentalismos psicodélicos.
No palco, os músicos noruegueses misturavam a postura serena de Ivar Bjørnson, guitarrista e outro fundador da banda, ao jeito debochado de Kjellson, com seus vocais ríspidos ao tocar o baixo e seu emulador de efeitos.
No fundo, quase grudado no telão mostrando o “E” estilizado do logo do grupo num ambiente embranquecido e gélido, estava o baterista e cantor Iver Sandøy, mais recente membro a entrar oficialmente na banda.
Ao seu lado, o discreto tecladista Håkon Vinje, também vocalista dos versos mais melódicos das músicas do grupo, era alvo de bullying por ser o caçula e mais jovem do que o próprio Enslaved.
De certa forma, os quatro eram o oposto das poses, percorrendo o palco todo, feitas pelo descamisado Arve Isdal, responsável pelos solos nas seis cordas dos noruegueses nas últimas décadas.
A terceira visita do Enslaved ao Brasil foi parte do ciclo da turnê de divulgação do disco “Heimdal”, lançado pela Nuclear Blast em março do ano passado e disponível em CD no Brasil pela Shinigami Records.
Diferente em relação aos shows anteriores realizados em 2017 e 2019, períodos de intervalo entre álbuns, o repertório da apresentação de 1h15min tocou três músicas do trabalho mais recente.
“Kingdom” abriu a noite alternando os vocais ríspidos com riffs que não soariam deslocados num disco do Judas Priest, temperados por um tom meio synth nos teclados, um pouco abafados na equalização da casa ao longo da noite.
Do mesmo álbum, a banda ainda executou “Forest Dwellers”, alternando pancadaria com momentos semi-acústicos, e “Congelia”, com direito a solo de teclado atmosférico no meio do caos de riffs e bateria.
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Entre elas, “Homebound”, do trabalho anterior “Utgard” (2020), manteve a dinâmica típica da fase recente do Enslaved de equilibrar riffs metálicos cadenciados, nesta faixa com uma certa melodia melancólica, refrãos cantados com a voz limpa e momentos de velocidade disparada e vocais ríspidos.
Essa guinada mais progressiva do grupo norueguês começou na virada do milênio e se consagrou no disco “Below the Lights”(2002), do qual as duas músicas seguintes do show foram extraídas. “The Dead Stare”, que manteve sua cadência com os riffs mais ríspidos, e “Havenless”, uma das faixas mais populares do Enslaved.
Seus coros no início e ao final, cantados numa mistura de islandês com nórdico medieval, foram impossíveis de acompanhar pelo público de língua latina. Assim, as pessoas na Fabrique se restringiam às palmas enquanto os músicos estendiam os braços ao ar como se participassem de um ritual.
Tudo muito divertido, banda e público claramente felizes demais, mas tinha chegado a hora de mudar essa atmosfera. Ok, Kjellson ainda fez piada com o tecladista Vinje ao anunciar que a próxima música era do disco “Frost”, lançado em 1994 quando o caçula tinha só dois anos de idade.
Ao enunciar à capella os primeiros versos de “Fenris”, tudo isso ficou para trás. Nos sete minutos seguintes, a Fabrique presenciou uma profusão de riffs angulares típicos de black metal, sob cadências diferentes, mas sempre com os bumbos ganhando cada vez mais velocidade. Ao final apoteótico da música, os noruegueses deixaram o palco; o público urrava extasiado.
Quem retornou primeiro foi o baterista Iver Sandøy, que teve seu momento de frontman ao colocar o público para gritar. Depois, por poucos minutos, fez um solo de bateria daqueles mais focados em manter o pessoal participando. “Isso é old school!”, disse Kjellson quando voltou ao palco e fez seu gestual típico com os braços para anunciar “Isa”, clássica faixa-título do álbum de 2004, com sua levada black’n’roll chacoalhando cabeças na pista.
Para finalizar a apresentação, como sempre, “Allfǫðr Oðinn”, música da demo “Yggdrasill” de 1992, e posteriormente regravada no ano seguinte para o EP de estreia “Hordanes Land”. O hino do viking metal, com a alternância de riffs gélidos e uma pegada épica, meio apocalíptica até, fechou o show numa atmosfera de rostos mais tensos no palco.
Segundos depois de a música terminar, já estavam todos os noruegueses ali com as mesmas caras de vikings bonachões, com suas bebidas na mão, despedindo-se felizes do público brasileiro.
Setlist:
- Kingdom
- Homebound
- Forest Dweller
- Congelia
- The Dead Stare
- Havenless
- Fenris
Bis:
- Drum Solo
- Isa
- Allfǫðr Oðinn