Festa da firma metalcore: o show do Atreyu em São Paulo
Estreia histórica da banda no Brasil tem comoção, covers emocionantes e até parabéns para fã

Comoção do lado esquerdo do palco. Da grade que delimita o pit para os fotógrafos, surge Brandon Saller, o baterista cantor convertido em vocalista full-time quando Alex Varkatzas deixou ele e os demais colegas — os guitarristas Dan Jacobs e Travis Miguel, e o baixista e vocalista gutural Marc “Porter” McKnight — a ver navios. A música é “The Time Is Now“, a quinta da noite, mas o público já estava ganho antes mesmo de as cortinas se abrirem, com a pontualidade típica do Carioca Club, casa conhecida por sua programação pagodeira pós-shows de rock e metal.
Vinte e poucos minutos se passaram desde que o clima de “Summer Eletrohits“, instalado por “Sandstorm“, de Darude, abriu passagem para as primeiras batidas de “Drowning“, mas o gigante, cuja fisionomia parece resultar de um cruzamento entre Paul Di’Anno e Steve Harwell, já havia se livrado da jaqueta, encharcado de suor. E o calor não era exclusividade dele: uma névoa parecia pairar sobre a galera, que abria espaço para que Saller entoasse a letra feita sob medida para o momento. O refrão “I can’t contain myself, I’ve never felt so alive” é a súmula perfeita do que foi a estreia do Atreyu em solo brasileiro.
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Na seara do metalcore, o Atreyu possui o pioneirismo como principal distinção, mas isso não lhe permitiu ascender ao mesmo patamar de contemporâneos mais bem-sucedidos, como Avenged Sevenfold e Bullet for My Valentine. Os alicerces sonoros são similares, mas, com o tempo, solos de guitarra — em especial os mais virtuosos — caíram em desuso no repertório dessa rapaziada, e isso talvez opere em detrimento das canções, em que parece estar faltando algo. Mas, quando a hora é de “punhetar”, Jacobs e Miguel o fazem de maneira gozosa: o primeiro não poderia ser mais flamboyant e acrobático; o segundo, compensa a descrição quase casta com um bom português, o qual usa para se comunicar com o público. “Vocês são do caralho“, diz a certo momento. Pena que a mixagem da casa deglutiu os solos em favor de um som de baixo e caixa de bateria quase ensurdecedores.
Um verniz pop é pincelado sobretudo nos refrães, e o de “Save Us” é um dos que mais empolga. Aliás, a canção se insinua com a perfeição de uma versão de estúdio, com harmonias vocais de fazer os Eagles aplaudirem de pé. A fatia emotiva coube a uma releitura minimalista e quase etérea de “Like a Stone“, do Audioslave, único cover tocado pela banda, que tem nos covers um de seus pontos fortes. Mas foi melhor assim.
E, a partir daí, o que já era, nas palavras de Brandon, o melhor show da presente turnê até o momento, adquiriu contornos de festa da firma. Mas, no palco, em vez de Shamangra, uma fã, Mayla, para quem o público canta “Parabéns pra Você“. Selfies são tiradas, donuts são mordidos e arremessados para quem conseguisse apanhá-los em pleno voo, e ninguém parece estar se divertindo mais do que o quinteto completado pelo baterista de ocasião Kyle Rosa, que, como todo baterista de metal que descarrega suas frustrações no bumbo duplo, deve um quinhão ao saudoso “Philthy Animal” Taylor, do Motörhead. Vez ou outra, os triggers da bateria soam exagerados de tão artificiais, mas essa tendência eletrônica parece ser a Meca após o advento dos Bring Me the Horizon da vida.
Teve ainda curso expresso de idiomas — Saller aprendendo como é “motherfucker” em português —, piadas infames com “rebolar a bunda” e “suor escorrendo rego abaixo“, videochamada com a esposa do vocalista e conclamações a moshpits perfeitamente atendidas pela galera que, quando se deu conta, o show já havia terminado. Uma hora e vinte que passou voando, mas que o Atreyu fez questão de ressaltar, entrou para a história como uma das melhores apresentações em toda a sua carreira. E um salve aos bootleggers: a própria banda reconheceu que as camisetas não oficiais, vendidas por ambulantes na calçada, estavam mais bonitas do que as oficiais, caríssimas e sem graça.