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ROGER WATERS | Quem vaiou pode até ter ouvido Pink Floyd, mas não entendeu a mensagem

À frente de um dos mais impressionantes espetáculos já produzidos visual e sonoramente, Roger Waters, um dos idealizadores e principais compositores da lendária banda inglesa Pink Floyd, é mundialmente conhecido por seu posicionamento político. Suas opiniões sempre estiveram presentes em sua arte, suas letras, suas músicas e também nos telões a cada concerto.

Durante o primeiro show da turnê Us + Them no Brasil, no Allianz Parque, em São Paulo, depois de tocar ‘Another Brick in the Wall – part 2’, seu atemporal hino de protesto contra o autoritarismo – e ser acompanhado a plenos pulmões pelo público –, começaram a ser exibidas no telão mensagens clamando por resistência. Resistência contra a tortura, contra o anti-semitismo e, é claro, contra o neofascismo.

Nesse ponto, surgiu na tela uma lista com nomes de vários governantes conhecidos por seus alinhamentos políticos extremos e intolerância. Donald Trump (EUA), Vladmir Putin (Rússia), Viktor Orbán (Áustria), Marine Le Pen (França), entre outros, vieram acompanhados de um novo nome que não agradou a uma parte dos presentes no estádio: Jair Bolsonaro.

O clima piorou quando, após a música ‘Eclipse’, sob efeitos de lasers e gelo seco, apareceu na tela um gigantesco #ELENÃO.

A audiência se dividiu entre aplausos e vaias, gritos contra Bolsonaro e também contra o PT. Alguns dos presentes disseram que se arrependeram de ter ido ao show, outros ficaram extasiados com a manifestação que, na verdade, já se esperava. Somente quem nunca parou para ouvir Pink Floyd com atenção às letras da banda pode dizer que se surpreendeu com o que houve. Após quatro minutos de manifestações do público, o cantor manteve a compostura e declarou:

“Eu sabia que isso ia acontecer porque em São Paulo e na América do Sul, em geral, vocês têm a fama de ter muito amor no coração”.

Depois, fez um discurso mais longo. Falou sobre direitos humanos, defendeu o povo palestino e fez um apelo à população brasileira:

“Vocês têm uma eleição importante em três semanas. Vão precisar decidir quem querem que seja seu próximo presidente. Sei que não é da minha conta, mas sou contra o ressurgimento do fascismo ao redor do mundo. Como um defensor dos Direitos Humanos, isso inclui o direito de protestar pacificamente sob a lei. Eu preferiria não viver sob as regras de alguém que acredita que uma ditadura militar é uma coisa boa. Me lembro dos dias ruins na América do Sul, me lembro das ditaduras, e foi feio”.

O público só se uniu novamente para cantar a última música, ‘Comfortably Numb’. A faixa trata do sentimento de distanciamento e incapacidade de se conectar com a realidade. Na letra, o personagem está num estado de adormecimento, em que nada realmente importa e tudo se torna ‘Confortavelmente Entorpecido’. Qualquer semelhança com a realidade, infelizmente, pode não ser mera coincidência.

CARREIRA COMO REFLEXO DA VIDA

Roger Waters perdeu o avô antes de nascer. George Henry Waters foi morto durante a Primeira Guerra Mundial, ainda em 1916, quando Eric Fletcher Waters – que viria a ser o pai de uma das maiores lendas da música – ainda tinha cinco anos. Eric, por sua vez, também não teve a oportunidade de ver o filho crescer. Morreu em 1944, durante a batalha de Anzio, na Itália. O cantor tinha então cinco meses e a Segunda Guerra Mundial seguia tirando vidas.

Tudo isso se reflete claramente na obra do baixista e compositor desde o início, muito fortemente durante seu período como parte do Pink Floyd e, mesmo depois, em sua carreira solo. Todas as suas opiniões foram formadas em torno de uma história de perdas, de morte, de intolerância e do horror que o ódio e o preconceito podem causar. Ele se tornou um defensor ferrenho das liberdades individuais e dos Direitos Humanos, em todos os ambientes e esferas. Pensar que ele se manifestaria de outra forma no Brasil é, no mínimo, um desrespeito ao seu legado. Apesar da menção a Bolsonaro durante o show, seu discurso não é partidário. Ele fala contra tudo o que é antidemocrático, contra o preconceito e contra a violência, enquanto clama ao público que resista às investidas totalitaristas, extremistas e ao fanatismo. Suas declarações sempre foram fortes, duras e incisivas. Roger Waters não é, nem nunca foi, o tipo ‘isentão’.

Para se ter uma ideia, durante suas apresentações, o vocalista se refere a Donald Trump como: ‘porco, racista, machista, ignorante e mentiroso’ e, normalmente, durante a música ‘Pigs (Three Different Ones)’, são exibidas imagens de Trump segurando um vibrador como se fosse um rifle e usando uma capa branca da Ku Klux Klan, movimento norte-americano que defende correntes reacionárias e extremistas.

FALTOU INFORMAÇÃO?

É possível que o público de um músico que ficou mundialmente famoso, entre outras coisas, por ter composto praticamente sozinho – Waters teria apresentado o álbum ‘The Wall’ já pronto aos outros integrantes do Pink Floyd – talvez a mais poderosa, e com certeza a mais famosa, manifestação de contrariedade ao sistema, diga que ‘não sabia’ ou ‘não esperava’ o que aconteceu?

A verdade é que, quem está hoje rasgando ingresso, dizendo que não vai mais aos shows e que se espanta com a situação não faz isso porque discorda de Roger Waters, faz isso porque nunca realmente compreendeu a carreira dele, nem a do Pink Floyd.

E ninguém pode dizer que ele não avisou. No final do ano passado ele declarou durante uma coletiva de imprensa que os shows da nova turnê serviriam para alertar as pessoas sobre o posicionamento e a falta de preparo dos políticos que estão no poder ao redor do mundo.

“Por isso é que as pessoas querem sair e se embebedar. Elas querem esquecer dessa situação e não se preocupar com a política, não ligar a mínima para os direitos humanos”, disse na ocasião.

SETLIST DO SHOW EM SÃO PAULO (09/10)

  1. Breathe (Pink Floyd)
  2. One of These Days (Pink Floyd)
  3. Time (Pink Floyd)
  4. Breathe (Reprise) (Pink Floyd)
  5. The Great Gig in the Sky (Pink Floyd)
  6. Welcome to the Machine (Pink Floyd)
  7. Déjà Vu
  8. The Last Refugee
  9. Picture That
  10. Wish You Were Here (Pink Floyd)
  11. The Happiest Days of Our Lives (Pink Floyd)
  12. Another Brick in the Wall Part 2 (Pink Floyd)
  13. Another Brick in the Wall Part 3 (Pink Floyd)

Set 2:

  1. Dogs (Pink Floyd)
  2. Pigs (Three Different Ones) (Pink Floyd)
  3. Money (Pink Floyd)
  4. Us and Them (Pink Floyd)
  5. Smell the Roses
  6. Brain Damage (Pink Floyd)
  7. Eclipse (Pink Floyd)

Encore:

  1. Mother (Pink Floyd)
  2. Comfortably Numb (Pink Floyd)

Video com manifestações favoráveis à crítica a Bolsonaro e com o discurso de Waters

Vídeo com manifestações contrárias à crítica a Bolsonaro

Aida Mori

It’s me, Mori_A! Colunista de um pouco de tudo. Apaixonada por música, literatura, videogames, cinema e gatos. Provavelmente velha demais pra essa maluquice. Escorpiana, paulista, millenial, nerd, taróloga, mãe de gatos.

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